Editorial: por que o Canadá e o Quebec dão de 7 a 1 no Brasil?

Editorial
Por que o Canadá e o Quebec dão de sete a um no Brasil?

Por Bruno Hildebrando 
Primeiro gol do Canadá: muito menos violência

Este é um dos motivos mais citados por brasileiros residentes em Montreal pelos quais saíram do Brasil. Muitos já foram vítimas de sequestro relâmpago, ou presenciaram cenas fortes de assalto. Existem furtos no Canadá, e há regiões urbanas com mais ocorrências policiais do que em outras, como o que podemos chamar de zona leste de Vancouver, ou Montreal Norte, para citar algumas zonas com destaque na imprensa. 

Em geral não as pessoas não sentem medo de andar nas ruas tarde da noite, as casas geralmente não têm muros e as janelas não têm grades. A maioria dos edifícios não têm porteiro ou vigilante. Vigilante de bairro é uma coisa que praticamente não existe no Canadá. Sim, existem empresas de segurança, e há edifícios com portaria 24 horas, mas essa não é a regra. A sensação de segurança é muito grande. Muitos canadenses ficam chocados quando indagam sobre os índices de violência no Brasil: a região metropolitana de Montreal tem cerca de 3,6 milhões de habitantes, e ocorrem cerca de 30 assassinatos por ano na região. A região metropolitana de Curitiba tem cerca de 3 milhões de habitantes e tem o quarto maior PIB entre as cidades brasileiras: por ano ocorrem cerca de 400 assassinatos na metrópole paranaense.]

Segundo gol do Canadá: trânsito mais civilizado

Este por si só já seria um bom motivo para sair do Brasil e vir morar no Canadá. Se em São Paulo os motoboys aterrorizam a cidade, e na saída para as praias forma-se uma linha de carros no acostamento, no Canadá a situação é bem diferente. Não existe o mesmo nível de agressividade dos motoristas, nem mesmo o baixo nível de educação. Claro que acidentes de trânsito acontecem no Canadá, e os motoristas quebequenses têm a reputação no resto do Canadá de serem um tanto 'temerários'. Mas mesmo assim, não se compara o nível de segurança no trânsito no Brasil.

O trânsito canadense não precisaria ter nada de especial para podermos classificá-lo de civilizado quando comparado ao que temos no Brasil: a velocidade média dos outros veículos não é tão mais alta do que a velocidade do seu veículo, e raramente alguém dirige de forma temerária ou em uma velocidade excessivamente acima do limite; no geral a sinalização está bem instalada e a pista em bom estado de convervação. Mais uma vez, a situação não é perfeita. Mas não é a mesma situação que encontramos em muitos trechos da BR-101 no Brasil, por exemplo.

Duas das razões pelas quais o Brasil é campeão em matéria de mortes violentas é pelo número de assassinatos e pelos acidentes automobilísticos, incluindo atropelamentos e colisões. Os números são um pouco conflitantes, mas nem por isso menos assustadores: algo em torno de 50 mil pessoas morrem por ano no Brasil em decorrência de acidentes automobilísticos e atropelamentos. No Canadá são cerca de três mil e quinhentas. Mesmo que digam que a população do Brasil é maior, se fizermos a comparação desses números com a população de cada país (no caso do Canadá 3.500 mortes para 34 milhões de pessoas; e no caso do Brasil, 50 mil mortes para 210 milhões de pessoas), podemos verificar que proporcionalmente o número de mortes no Brasil é maior do que no Canadá. 

Terceiro gol do Canadá: a mulher tem mais status social do que no Brasil

Em todo o Canadá a mulher goza do mesmo status social que o homem. Para muitos brasileiros isso pode parecer bobagem à primeira vista, mas as coisas são mais complexas do que parecem. Por exemplo, num grupo de colegas de trabalho onde homens e mulheres falam sobre algum tema em especial. No Brasil é comum a conversa se iniciar de forma com que todos falem, até que chega um momento em que homens tomam o centro da discussão, e as mulheres ficam um pouco de lado, quando não formam um segundo grupo de discussão, pois os homens falam muito alto e gesticulam bastante. 

No Canadá é diferente: numa discussão em grupo é comum as mulheres tomarem o centro das atenções e conduzirem a conversa. Os homens é que devem acompanhá-las na conversa. Nem sempre as coisas são tão rígidas assim, depende de quem são as pessoas, se são homens jovens e atletas, grandes e fortes, ou velhos atores ou artistas plásticos. Mas de uma forma geral as mulheres tem mais controle sobre as situações do que costumam ter no Brasil.

Um sinal de como ambas as sociedades tratam as mulheres é a publicidade. Não existe nada parecido no Canadá com os anúncios de cerveja que são transmitidos pela televisão brasileira, onde modelos esculturais mostram seus corpos vestidos em minúsculos biquínis e em posições que exibe sensualidade. No Canadá não se explora o corpo da mulher daquela forma, e mesmo com a classificação horária vigente não se assiste a tais tipos de comerciais em nenhum horário. 

Há uma pequena municipalidade em Ontário que recebeu grupos de trabalhadores temporários de vários países, incluindo África, América Latina, Caribe e sul da Ásia. As mulheres locais reclamavam do que chama-se em inglês de "cat-calling", isto é, os homens imigrantes mexiam com as mulheres locais quando cruzavam com elas nas ruas da pequena cidade. Então com a discussão pública houve ainda o temor de que a população fosse eventualmente tachada de racista por causa da revolta da população local com o que classificaram de assédio.

Quarto gol do Canadá: um ótimo lugar para criar os filhos

Para quem tinha seus filhos matriculados em escolas particulares, dependendo do nível da escola talvez não haja nada muito diferente no Quebec do que se encontra no Brasil. Mas em geral as escolas são melhores. Existem escolas particulares e públicas, como no Brasil, mas as escolas públicas daqui não deixam a desejar. As crianças têm acompanhamento na escola. Os pais se envolvem mais nas atividades escolares.

Mas o que realmente faz a diferença em favor das crianças é o fato delas terem grande importância social. Por exemplo, quando uma criança desaparece a polícia anuncia um alerta "ambar", por exemplo, para avisar os motoristas na estrada, os cidadãos em geral, de que uma criança está desaparecida. 

Resumindo: aqui as crianças são muito valorizadas e respeitadas.

Quinto gol do Canadá: excelentes opções para estudar

Tema de diversas matérias publicadas pela imprensa, inclusive no Brasil, as cidades de Montreal, Vancouver e Toronto são citadas como algumas das melhores cidades no mundo para estudar, seja um curso de idiomas ou mesmo um curso universitário, bacharel, mestrado, MBA ou doutorado. 

O Canadá possui algumas universidades entre as cem melhores do mundo, como a Universidade de Toronto; a McGill University e a Université de Montréal, no Quebec; a University of British Columbia. Estas universidades estão em melhor posição nos rankings internacionais do que a USP, a Unicamp ou a UFRJ, as três melhores universidades brasileiras. Outras universidades canadenses, como a Universidade de Ottawa, a Universidade de Alberta (em Calgary), a Université Laval e a Concordia University no Quebec, não ficam muito atrás. 

Há ainda muitas outras ótimas universidades, como a York University, a Queen University (o melhor MBA do país) e a Ryerson, em Ontario; a Université du Québec à Montréal e a Université de Sherbrooke, no Quebec, são outras excelentes opções para os estudos acadêmicos. Todas estas universidades, se estivessem no Brasil estariam entre as melhores universidades do país, todas elas. 

E ainda não falamos das inúmeras escolas de idiomas e o ambiente multicultural que as grandes cidades canadenses oferecem como poucas cidades no mundo. Em Montreal pode-se aprender tanto o inglês quanto o francês, e a opção de estudar inglês no Canadá é mais barata do que estudar no Reino Unido, nos Estados Unidos e mesmo na Austrália, por causa da distância.

Sexto gol do Canadá: uma perspectiva cosmopolita, aberta ao mundo

Facilmente pode-se encontrar atendentes de telemarketing que visitaram vários países, e é comum ter amigos poliglotas. Em Montreal, devido à dualidade linguística da cidade, a diversidade é ainda maior: muitos falam inglês e francês, além de um terceiro ou quarto idioma. Muitos brasileiros aprendem os dois idiomas oficiais da cidade e ainda falam um portunhol que se parece realmente com o espanhol. Para os canadenses isso não faz muita diferença, são idiomas muito parecidos e se os latinos entendem, então é espanhol. Não é como no Brasil onde dizem que "portunhol não vale".

Mas não é somente a diversidade linguística que faz do Canadá um país diferente do Brasil. Assim como é comum encontrar pessoas comuns que falam outros idiomas, é normal viajar para esses países. Muitos canadenses viajam para países como a Tailândia, por exemplo. Países do Caribe incluem alguns dos destinos mais populares entre turistas de Quebec e Ontário: Cuba , República Dominicana, Ilhas Virgens, Jamaica. Flórida é um dos destinos favoritos dos montrealenses.

Claro que a cidade de São Paulo, e em certa medida o Rio de Janeiro também, oferece uma perspectiva mais cosmopolita do que outras cidades brasileiras, por isso os paulistanos não tem problemas em se adaptar à vida em Toronto, por exemplo. Montrela é uma cidade "mais calma", dizem eles, mas ainda assim é uma cidade cosmopolita. Em Toronto mais da metade da população não nasceu no Canadá. Em Vancouver, por exemplo, pouco mais da metade dos habitantes da cidade não tem o inglês como língua materna, e trinta porcento da população fala chinês. É praticamente uma cidade bilíngue, com muita publicidade em mandarin ou cantones. Ao contrário de Montreal, onde se fala francês e inglês, em Vancouver os idiomas predominantes são o inglês e o chinês. Tem-se a impressão de estar em algum lugar entre a América do Norte e a Ásia.

Sétimo gol do Canadá: melhor qualidade de vida

Tudo o que discutimos acima, i.e., menos violência, trânsito civilizado, segurança para a mulher e para a criança, e educação de qualidade, contribuem significativamente para o Canadá oferecer melhor qualidade de vida. Mas não é só isso: a economia é mais estável e a democracia mais consolidada. Os serviços públicos funcionam melhor do que no Brasil: fornecimento de luz e água, telefone e internet, incluindo Wifi, policiais nas ruas, disponibilidade de ônibus e metrô, saneamento básico.

Sim, existem problemas no Canadá, mas no geral as coisas são diferentes e funcionam melhor. É possível ter de ficar seis horas na sala de emergência esperando pelo atendimento; são comuns as reclamações contra as empresas de telefonia, especialmente a Bell; e nem sempre o serviço de atendimento ao cliente em lojas e pequenas empresas é satisfatório. 
Em certos aspectos as coisas são até semelhantes entre o que se vê em São Paulo e Toronto ou Montreal, por exemplo.

E o gol do Brasil? 

Podemos falar que temos praia e calor para aproveitar à vontade, ou ainda o povo hospitaleiro e mais aberto, e a comida, sem dúvida nenhuma inesquecível. Mas para tudo isso pode-se dar um jeito: férias em Cuba, passeio nos Estados Unidos, e é possível encontrar os ingredientes certos para aquele jantar especial. Mas a família é insubstituível, não temos com o que comparar. Discutimos qualidade de vida, perspectivas profissionais, opções de estudos, integração cultural, barreira linguística, mas a família e alguns amigos queridos, bem isso não temos como substituir por nada nem ninguém, são coisas que não têm preço. Nesse ponto, golaço do Brasil.

Para concluir

Em relação ao país que escolhemos para viver, existem fatores positivos e negativos tanto no Brasil quanto no Canadá. A adaptação de algumas pessoas à vida no Quebec pode ser algo muito complicado e difícil, ao passo que para outras as coisas são mais tranquilas. Há aqueles que conseguem arrumar amigos e encontram uma alma gêmea em Montreal. Há também os que preferem viver no Brasil. Pelo menos dois imigrantes brasileiros que viveram durante vários anos em Montreal, mais de dez anos, e que retornaram ao Brasil e estão felizes. Há outros que retornaram ao Brasil depois de viverem dez anos em Montreal, e em menos de um ano, voltaram ao Quebec. Existem canadenses que amam o Brasil, e passam boa parte do ano por lá. Existem mesmo os canadenses que se mudam para lá. O que isso tudo quer dizer? Que a vida de cada um de nós é algo único, e não existe uma resposta simples para um assunto tão pessoal. Para grande parte dos brasileiros que moram em Montreal, no Quebec e no Canadá, é bom viver por essas bandas. Mas a resposta para o seu caso, é só você que pode dar. 
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