Editorial: as diferenças culturais no aspecto profissional

Editorial
As diferenças culturais no aspecto profissional

Por Bruno Hildebrando

No dia 26 de maio de 2014, Grazi Henke organizou uma palestra cujo convidado especial foi o Dr Lionel Laroche, autor de quatro livros dedicados ao recrutamento de profissionais e diversidade cultural nas empresas. Francês, engenheiro civil formado pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia, desde 1998 atua nesta área oferecendo palestras, treinamentos corporativos e consultoria para profissionais imigrantes.
Vários pontos importantes foram abordados durante a palestra, mas a mensagem final da apresentação do Dr Laroche engloba principalmente os pontos que vamos abordar neste artigo. Dentro muito em breve publicaremos nesta página um vídeo com uma breve entrevista com o Dr Laroche e com a Grazi Henke, além de testemunhos de alguns dos convidados presentes. Segue abaixo então um resumo do que foi discutido durante a apresentação do Dr Laroche.
 
Foi sem dúvida uma palestra muito informativa, para a satisfação de todos os presentes, um público presente de pouco mais de quarenta pessoas, a maioria brasileiros e brasileiras. A iniciativa é muito benvinda pois traz à nossa comunidade informação crucial para o que seja o aspecto mais importante do projeto de imigração: a conquista de um emprego na área de formação; ou ainda, a consolidação da carreira profissional aqui no Canadá.

Durante a sua apresentação para o público brasileiro, Dr Laroche falou das diferenças culturais que muito frequentemente emperram ou arruinam a carreira de muitos imigrantes. Por que a integração no mercado de trabalho é tão difícil? Como estas diferenças culturais nos impedem de conquistar o emprego na área aqui no Canadá?
 
Os canadenses são diferentes, disse o Dr Laroche, e essas diferenças culturais são visíveis no equilíbrio entre o conhecimento técnico e a capacidade de se relacionar com as pessoas. No Canadá é muito importante saber se relacionar com os outros, e além de gerenciar seu tempo e suas emoções é preciso entender como as empresas avaliam o perfil de seus funcionários.
 
Os brasileiros chegam no Canadá e no Quebec com alto conhecimento técnico, afinal a maioria de nós foi selecionada segundo critérios pré-estabelecidos pela Imigração Canadá, de acordo com a legislação vigente. Mas e as chamadas soft skills, ou a habilidade de se relacionar com as pessoas? Assim que desembarcamos no aeroporto em Toronto já perdemos essa habilidade, mesmo se no Brasil nós éramos considerados excelentes gerentes as coisas mudam rapidamente quando aqui chegamos.

O motivo disso acontecer é porque os critérios pelos quais somos avaliados pelas pessoas ao nosso redor são diferentes dos critérios adotados em nossos países de origem, disse o Dr Laroche. Por exemplo, no Canadá existe um equilíbrio entre a relação conhecimento técnico e capacidade de se relacionar e a mesma importância é dada para ambos os aspectos. Mas no Brasil, na França - país de origem do Dr Laroche - e principalmente na China, os critérios são diferentes; é dado mais valor ao conhecimento técnico. Para se tornar um gerente no Canadá é muito importante o aspecto inter-relacional do candidato do que o seu conhecimento técnico. E as diferenças não páram por aí.
 
Tanto no Brasil como na França, e em muitos outros países, muitos de nós nos apresentamos de maneira generalista, mais ou menos como um engenheiro civil capaz de construir qualquer coisa, seja uma casa, um prédio ou um barracão. Para surpresa de muitos presentes nesta palestra, apresentar-se desta forma é passo certo para cair em descrédito diante do recrutador ao emprego, o qual entende que o candidato na verdade não sabe coisa nenhuma. O motivo disso é que no Canadá em geral as pessoas se apresentam como especialistas: um engenheiro civil especializado em operações de manutenção em grandes obras como hospitais, shoppings, torres residênciais e comerciais. Outro exemplo: o candidato deve evitar se apresentar como um analista de sistemas capaz de trabalhar com rede, servidor, infra e tudo o mais que existe em T.I., e sim se apresentar como um analista de sistemas especializado em rede com experiência de trabalho em grandes empresas de informática como a Siemens no Brasil, envolvido com projetos para clientes na área governamental. São exemplos teóricos que servem para ilustrar a maneira como devemos nos apresentar numa entrevista de emprego.
 
Um outro ponto importante relacionado à forma de se apresentar é que no Canadá um profissional se define pela sua formação, não seu posto de trabalho. Alguém formado em engenharia civil não é um gerente mas um engenheiro. Você pode ser chamado de repórter da Radio Canadá, mas você se define como jornalista e se apresenta como tal numa entrevista de seleção de pessoal numa empresa.

No Canadá, e o Quebec não é exceção, para qualquer vaga que exija o comando de um ou mais funcionários é fundamental que o candidato mostre que sabe se relacionar com as pessoas, que tem as chamadas soft skills. Muitos imigrantes não percebem as diferenças culturais e não conseguem entender porquê não são compreendidos ou aceitos pelos seus colegas. Não raro o imigrante leva anos para compreender essas diferenças. Disse o Dr Laroche que um imigrante em geral leva entre seis a quinze anos para se adaptar completamente à vida e à realidade canadense.
 
Realidade que não é aquilo que o governo do Quebec disse que era, lembraram alguns dos presentes. Dr Laroche disse que não é só o governo que mostra muito mais o lado positivo do Canadá do que o lado negativo; é também a percepção que o mundo tem do Canadá, a imagem que se vê na mídia em geral: um país muito pacífico, civilizado, multicultural, tudo muito bonito. Mas a vida é como ela é, e não como gostaríamos que fosse. As dificuldades estão presentes por toda a parte e no que diz respeito às diferenças culturais as coisas podem ficar complicadas.
Então o que se deve dizer numa entrevista de emprego? Segundo o padrão dos recrutadores são cinco critérios para avaliar a experiência profissional de um candidato a uma vaga: os projetos nos quais trabalhou, as situações que ocorreram, os problemas ou desafios enfrentados, as soluções encontradas e os resultados obtidos. É muito comum que o profissional que acabou de chegar no Canadá gaste tempo demais falando dos problemas e situações que viveu. O mais importante aspecto para o recrutador são as soluções encontradas, e claro os resultados obtidos. Isso ocorre porque o que o recrutador está procurando é alguém que resolva um problema. Então, ao invés de falar de problemas, que tal falar de soluções?
 
Para entender o que você deve dizer sobre sua experiência profissional escreva os projetos nos quais trabalhou e procure identificar um padrão que se repete, alguma coisa que você sempre faz e que dá certo. Você deve ter uma habilidade que sempre usa para resolver as coisas. Se você não mostrar esse padrão para o recrutador ele não vai entender o que você explicou no seu currículo. Além disso, prepare-se bem para as entrevistas, com certeza vão fazer perguntas sobre conflitos com colegas e gerentes dificeis.

Ter um bom currículo, bem redigido, claro e conciso, é o passo inicial para conquista de um emprego. Uma carta de motivação também é importante, e ela deve salientar o padrão ao qual se referiu o Dr Laroche, e não ser descritiva, tal como se fosse uma versão em prosa do seu currículo. O Dr Laroche enfatizou que é preciso fazer contatos, principalmente fora da comunidade brasileira. Não que não seja importante fazer contatos com brasileiros, o que se deve evitar é ficar enclausurado numa zona de conforto cultural que nos impede de assimilar o modo de pensar dos canadenses. Participar de eventos ligados à sua profissão são fundamentais, mas não somente isso. É preciso respirar o ar que as pessoas respiram, saber das mesmas novidades, conhecer pessoas, ser reconhecido por alguém num happy hour; é preciso se misturar na paisagem.
 
Procurar um mentor profissional pode ser de grande valia para quem procura uma vaga especializada em uma área competitiva, e a questão do idioma é fundamental, é a base de tudo. Mas acima de tudo é preciso persistência e determinação, visão e coragem para enfrentar o desafio de peito aberto e nunca se esquecer de que os nossos sonhos somos nós que sonhamos, ninguém vai dormir nossos sonhos por nós. 
 
Existem aspectos em nossas vidas que podemos controlar, como o formato das letras no currículo ou o texto da carta de motivação. Existem outros fatores que podemos exercer uma certa influência, tal como falar melhor o francês ou se tornar bilíngue. Mas existem outros fatores sobre os quais não temos controle algum e que nos preocupam enormemente como a inflação, a taxa de desemprego, a discriminação social. Mas muitos desses fatores na verdade mais nos preocupam do que nos afetam, e precisamos nos focar naquilo que podemos fazer por nós mesmos. 

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